Bora (des) arrumar as universidades?

BORA (DES) ARRUMAR AS UNIVERSIDADES?

O neurocientista, professor emérito da UFRJ e pesquisador do Instituto Dór – Robert Lent – nos fala em seu artigo publicado  no jornal “O GLOBO” em 02/12/2022, sobre o estado do ensino superior que “…está imerso em ineficiência e crise, agravadas pela penúria financeira com que foi tratado nos últimos anos”.

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As universidades públicas no Brasil são a maior fonte agregada de geração de conhecimento que o país possui, sem desmerecer outras instituições públicas e privadas que cumprem a mesma missão com qualidade. O sistema se organiza em degraus acadêmicos de ascensão vertical: a graduação, profissionalizante; o mestrado, complementar à graduação; o doutorado, com vocação original de formar docentes pesquisadores; e o pós-doutorado, que na verdade representa uma transição profissional injusta e sub-remunerada para o (a) jovem doutor (a) que ainda não encontrou posição no mercado de trabalho.

Durante essa longa trajetória, seria de esperar que os jovens fossem expostos a um ambiente capaz de garantir a sua formação profissional. Só que isso não acontece, não apenas porque a entrega das universidades é insuficiente e conservadora, mas também porque o mercado de trabalho muda velozmente, sem ser acompanhado pelas universidades. Resultado: o ensino superior está imerso em ineficiência e crise, agravadas pela penúria financeira com que foi tratado nos últimos anos. A questão é que o conhecimento se tornou matricial, com diferentes trajetos possíveis para os alunos. Um engenheiro poderia aprender tanto cálculo quanto neurociência. Um médico carece de conhecimento em anatomia, tanto quanto em ética. Um economista precisa aprender tanto sociologia quanto ecologia. As velhas disciplinas envelheceram. Aliás, o termo “disciplina” diz muito sobre a rigidez da coisa. Sem falar em “grade curricular”, uma verdadeira prisão. O engenheiro aprende tudo sobre parafusos, mas não conhece a máquina. O médico trata do órgão, não da pessoa.

 

 

Os cenários do futuro exigem cada vez mais a presença da pesquisa científica nas universidades, sem “grades” ou “disciplinas”. E diversos caminhos para os alunos, oferecendo-lhes trajetos educacionais que eles mesmos escolham. Cabe a nós professores relativizar o saber que pensamos dominar, e caminhar junto com os alunos apenas para atenuar os seus desvios e pavimentar o caminho. Como fazer? Não há certezas, mas há indícios importantes. Primeiro: o modo tradicional (vertical) como conduzimos os alunos na universidade não é mais aceitável, por ineficiente. Segundo: os professores mais velhos não vão mudar, é preciso investir nos professores jovens e alunos de pós-graduação. Terceiro: é necessário injetar ciência na educação. A intuição e o tradicionalismo histórico já deram. A aprendizagem é um tema crescente de investigação científica. E a avaliação de resultados é uma necessidade, sempre. Não basta ensinar, é preciso assegurar que o aluno aprendeu. Finalmente: agora que tentaremos consertar o estrago de uma administração retrógrada que se vai, é preciso discutir uma nova reforma universitária. E não basta criar novas universidades, importa também mudar o perfil das tradicionais. Em escala. Talvez esse seja o desafio mais difícil.

O novo MEC que assumirá em janeiro precisa coordenar uma rediscussão das universidades brasileiras. O compromisso de renovação deve ser pactuado com elas, e incentivos devem ser oferecidos às que ousem inovar. Além das faculdades de Educação que todas as universidades têm, laboratórios de pesquisa sobre ensino e aprendizagem poderiam ser criados em todas as unidades — institutos, faculdades, departamentos. A ciência precisa infiltrar a educação superior, em busca de conhecimentos mais profundos sobre ensino e aprendizagem. É disso que se trata. O conhecimento novo que for gerado nesse contexto, certamente dará à luz metodologias de ensino mais eficazes, e trajetórias de aprendizagem mais condizentes com esse futuro que não conhecemos, mas que temos que prever.

A proposta é fácil de enunciar: Educação tem ciência. Por isso é necessário reformar as universidades, criando uma infraestrutura de pesquisa em ciências da educação em todas as unidades de ensino. O Brasil precisa dessa (des)arrumação virtuosa.

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